A Enel pode ter o contrato rompido por causa dos recorrentes apagões em SP?
13/12/2025
(Foto: Reprodução) Prefeito Ricardo Nunes defende intervenção federal na Enel de SP
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), defendeu nesta sexta-feira (12) a intervenção federal na concessionária Enel pela demora no restabelecimento da energia elétrica na Grande São Paulo após forte ventania.
A fala aconteceu no terceiro dia de apagão generalizado que chegou a afetar 2,2 milhões de famílias simultaneamente. Na tarde desta sexta, 624 mil imóveis seguiam sem luz na região.
Mas alguém tem o poder de romper com a Enel, diante de apagões recorrentes, multas, reclamações de clientes e ações na Justiça?
A resposta simplista é: sim. No entanto, o tema é muito complexo e demanda debate (entenda abaixo).
Considerada uma medida extrema, a caducidade ou extinção do contrato pode ocorrer quando confirmado que a concessionária descumpre obrigações contratuais e não tem condições de manter a prestação de serviços à população.
Fato é que a empresa italiana tem sido alvo de críticas, com outros três grandes casos de apagões na capital paulista. Em novembro de 2023, 2,5 milhões de pessoas ficaram sem luz após fortes chuvas na região metropolitana de São Paulo. A empresa demorou até seis dias em algumas regiões para restabelecer a energia.
Em março do ano passado, foi a vez dos moradores do Centro da capital paulista, inclusive a Santa Casa, ficarem sem luz. Ainda em 2024, no início de outubro, mais um episódio: milhões ficaram sem o serviço.
A distribuidora de energia também acumula reclamações em outros estados onde tem contratos, como no Ceará, onde o Ministério Público instaurou procedimento contra a empresa para apurar possível piora do serviço.
🚫 Estado e prefeitura podem 'demitir' a Enel?
Nem o governo estadual nem o municipal têm poderes sobre o contrato da Enel. A Aneel foi criada para regular o setor elétrico brasileiro e tem como função:
Regular geração (produção), transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica;
Fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões, as permissões e os serviços de energia elétrica;
Estabelecer tarifas;
Promover atividades de outorgas de concessão, permissão e autorização de empreendimentos e serviços de energia elétrica, por delegação do governo federal.
"Quando acontece um apagão, ou um problema do tipo, como está sendo o caso, fica um jogo de empurra-empurra de responsabilidade. A administração do contrato é do governo federal. Estado e município podem aproveitar a mídia para mostrar serviço, mas não existe algo que possa ser feito", afirma Vera Monteiro, professora de Direito Administrativo da FGV.
"Eles não são contratantes. Eles são usuários do serviço, como nós, ou seja, podem reclamar, fazer pressão e ir ao Judiciário cobrar eventual indenização por prejuízos causados pela concessionária, mas não podem aplicar multas", completa.
🔨 Quem pode suspender o contrato de concessão?
O contrato de concessão da Enel é gerido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que age como representante da União, neste caso, do Ministério de Minas e Energia;
Somente o Ministério de Minas e Energia tem o poder de encerrar o processo de concessão;
A Aneel pode aplicar e definir multas, mas a decisão final de encerramento do contrato segue sendo da União;
Os governos estadual e municipal, neste caso, podem reclamar, fazer pressão pública e entrar na Justiça, mas o contratante continua sendo a Aneel, que toma as decisões sobre multas, punições e abre investigações que podem levar ao fim ou não do contrato.
👩🏽🔧 Avaliação dos especialistas
O contrato de concessão da Enel com o governo federal é de 30 anos, com encerramento previsto para 2028, caso não tenha renovação;
Para especialistas ouvidos pelo g1, justamente por estar no final, o governo não tem tempo hábil para enfrentar um processo de caducidade e ainda encontrar um novo fornecedor;
Advogados defendem também que o contrato de concessão, feito em 1998, precisa ser atualizado para se adequar às novas necessidades da sociedade;
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica, mesmo trocando de fornecedor, os problemas tendem a se manter, já que a Aneel continuará com as mesmas normas de concessão.
A professora Vera Monteiro explica que "não é tão simples tirar o contrato de uma empresa, ainda mais se tratando de uma concessão longa, como no caso da Enel. Ele está quase no fim e, agora, os principais pontos são discutir se o governo vai ou não renovar. Ou, até mesmo, se existe um plano B, caso escolha não seguir com a Enel".
Para Alexei Vivian, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica, falhas no fornecimento, como os que ocorreram recentemente, não justificam a quebra de contrato.
"Seria uma atitude extrema, que certamente seria levada ao Judiciário. No direito administrativo tem a regra da proporcionalidade da pena, ela tem que ser proporcional à infração. Você aplicar a pena mais grave para uma concessão que teve falhas, mas cujo serviço vem sendo atendido, geraria problemas ainda maiores. Teria que encontrar um outro fornecedor, de uma maneira rápida e isso também geraria custos", afirma.
Danilo Tavares, professor de direito da Unifesp, avalia que seria mais proveitoso, neste caso, criar um plano de resultados. "A agência reguladora pode ajustar com a empresa um plano de resultados e, através desse plano, a empresa tem uma chance a mais de resolver seus problemas. É muito difícil, em quatro anos, aparecer um novo operador."
🅱️ Necessidade de um plano B
Tanto Vera quanto Daniel são enfáticos em defender a necessidade de um plano B: "Nos próximos anos, é mais proveitoso pensar em encerrar o contrato de uma maneira menos danosa e problemática para os usuários. O importante é pensar como aperfeiçoá-lo no futuro", afirma Daniel.
Vera reforça que justamente por ser um contrato antigo, a concessão da Enel tem muitas falhas que precisam ser readequadas, com parâmetros mais rígidos de monitoramento.
"Chegamos em um ponto que os problemas se repetem porque não tem ninguém monitorando o serviço. [O tempo para decidir] se renova ou não passa rápido, a caducagem de uma concessão é um processo muito complexo que não vai levar menos de um ano para ser concluído. Se concluir, tem que ter uma alternativa. Precisamos de um plano B, uma solução mais rápida, porque a caducagem não é simples como parece", afirma.
Se o processo de caducidade for para frente, enquanto não houver um novo operador, a Enel continua à frente dele, explica Vera.
⏳ Briga antiga
O prefeito Ricardo Nunes enfrenta uma queda de braço com a concessionária há algum tempo. Segundo ele, a prefeitura já entrou com três ações na Justiça de São Paulo e uma na Justiça federal questionando o serviço da Enel.
"A concessão de energia é feita pelo governo federal, a concessão, a regulação e a fiscalização. Como essa empresa está sendo de um atendimento muito ruim na cidade, obviamente, nós temos que pedir ao governo federal que tire essa empresa daqui e traga uma outra empresa boa", afirmou.
Na avaliação dele, a concessionária não tem condições de atender as demandas da cidade.
O que nós estamos fazendo é essa pressão por uma empresa que, infelizmente, não tem tido condições de atender as demandas da cidade. (...) A gente sabe que cada vez que tiver um vento, uma chuva, nós vamos passar por isso. Então, a gente precisa deixar claro que essa empresa não tem como mais continuar em São Paulo.
Governo estadual
Na quinta (11), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), também havia criticado a lentidão no restabelecimento de energia na Grande São Paulo após a ventania que atingiu a região e a possibilidade de prorrogação do contrato da Enel com o governo federal.
Até a última atualização desta reportagem, a Enel São Paulo não informou um prazo para normalizar o serviço.
Ao comentar o impacto da ventania, Tarcísio disse que o problema principal é a baixa velocidade na recomposição da energia — e atribuiu parte das falhas à estrutura da própria distribuidora.
"Você vê que plano de contingência às vezes não funciona. Ontem [terça-feira] começou a ventar de manhã, ventou até o início da noite, com rajadas de quase 100 km/h. [Houve] muito transtorno, queda de árvore, e a velocidade de restabelecimento se dá muito de acordo com automação e investimento”, afirmou.
O governador afirmou que o estado "não pode ficar refém" da concessionária, criticou a quantidade de funcionários diante do número de imóveis afetados e defendeu a não manutenção do contrato.
"A gente não pode ficar refém, não dá. Todo evento climático, nós vamos ter o mesmo problema. Qual é a previsibilidade? Quando que a energia vai ser restabelecida? As pessoas ficam dias sem restabelecimento. Pode ter certeza que esse restabelecimento completo vai levar alguns dias. A gente vai ver isso acontecer de novo, e a gente está falando isso sempre., disse Tarcísio.
"A gente chegou a ter aí 2,2 milhões clientes sem energia. É um problema sério, nos preocupa a velocidade de restabelecimento. Por isso que a gente tem sido muito crítico à questão da prorrogação do contrato", completou.
"Lá atrás, sugerimos para o Ministério de Minas e Energia e para a Agência Nacional de Energia Elétrica medidas regulatórias, o início do processo de caducidade, também a intervenção [do governo federal na Enel]", lembrou.
Ao comentar o impacto da ventania, Tarcísio disse que o problema principal é a baixa velocidade na recomposição da energia — e atribuiu parte das falhas à estrutura da própria distribuidora.
Reprodução
Críticas à prorrogação do contrato
Para Tarcísio, o modelo atual não estimula investimentos suficientes na rede.
“É muito difícil para nós fazermos algo além do que já estamos alertando há muito tempo. É um contrato muito antigo, com facilidade para alcançar determinados indicadores, e que precisa de muito investimento para tornar a rede mais automatizada”, disse.
Tarcísio afirmou que o estado já havia sugerido ao governo federal medidas como intervenção, abertura de processo de caducidade ou outras ações regulatórias para garantir que a concessionária invista mais em automação, tecnologia e capacidade operacional.
O governador reforçou ainda que, na visão dele, a área de concessão da Enel é grande demais para uma única operadora. Segundo ele, o contrato merecia ser "quebrado em dois", para que pudesse ter mais facilidade de realização de investimentos, com mais potência em tecnologia e equipes.
Ainda de acordo com Tarcísio, por isso o governo paulista critica as iniciativas de prorrogar o contrato sem antes revisar o modelo.
“Todo ano agora tem grande evento climático com ventos muito fortes. Precisamos modernizar a rede porque isso será cada vez mais comum.”
Árvore cai na avenida Fábio Prado, na Chácara Klabin, e atinge um carro.
Arquivo pessoal